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A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como uma adequada ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico diferencial, tipo de tratamento necessário e prognóstico. A detecção precoce de problemas comportamentais e/ou distúrbios psicológicos/psiquiátricos em pacientes inseridos em ambientes médicos pode significar um grande diferencial com relação ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao paciente, bem como diminuição do sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo que a avaliação psicológica não necessariamente deve estar ligada somente a pacientes hospitalizados, mas também a diversos espaços e especialidades em saúde, tais como clínicas particulares de especialidades ou centros de saúde (Stout & Cook, 1999).
Levando-se em consideração a complexidade dos ambientes médicos, a avaliação psicológica deve ser alicerçada em um corpo de conhecimento acumulado por intermédio do binômio prática/pesquisa, por isso a importância do contínuo desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos específicos de avaliação psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde (Baptista & Dias, 2003; Belar, 1997). Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental, principalmente as internacionais, vem crescendo exponencialmente nas últimas três décadas (Montgomery, 2004).
A avaliação psicológica está baseada no método científico e a aplicação de instrumentos psicológicos é uma parte apenas, porém importante, de todo um processo. Noronha (1999) relata a avaliação psicológica como um processo que pode (ou não), incluir testes padronizados como um dos recursos para atingir seus objetivos. Nela estão envolvidos a coleta das informações, os instrumentos e as diversas formas de medidas para que se possa chegar a uma conclusão. Ou seja, o processo de avaliação psicológica pode incluir diferentes procedimentos de medidas, identificar dimensões específicas do sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles.
Portanto, cada procedimento de medida, como explica Pasquali (2001), ou de investigação, requer um resultado síntese, que não pode ser confundido com o resultado final, pois este está relacionado com a análise de todos os dados colhidos durante o processo. Os testes psicológicos, como lembram Anastasi e Urbina (2000), podem ser considerados essencialmente como uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento. Eles não medem diretamente as capacidades e funções, mas amostras que devem representar adequadamente o fenômeno estudado. São, na realidade, semelhantes a qualquer outro teste científico, uma vez que por meio de uma pequena amostra, mas cuidadosamente escolhida, são realizadas as observações do comportamento da pessoa. Assim, como instrumentos de medida, devem apresentar certas características que possam justificar como confiáveis os dados que por eles foram produzidos.
Apesar da confusão entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos, existente na população leiga e mesmo entre alguns profissionais, a avaliação deve sempre manter um compromisso ético e humanitário, que leva obrigatoriamente a compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e limitações. O seu objetivo não é o de dar um simples rótulo, mas, sim, descrever, por meio de técnicas reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns aspectos da vida de uma pessoa, ou de um grupo (Tavares, 2004).
No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da formulação atual do conceito de saúde e das causas das doenças. A saúde não é considerada apenas como uma ausência de sintomas, pois, uma pessoa pode estar gravemente enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Por outro lado, as doenças, atualmente, não são consideradas como possuindo uma única determinação, mas sim, são multideterminadas. Não existem duas psicologias, uma psicologia da saúde e uma psicologia da doença. Na realidade, quando se refere à psicologia na saúde, a expressão engloba a vivência de uma pessoa também no seu processo de adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que envolve múltiplos fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos, cultura, mitos familiares (Straub, 2005).
A psicologia na saúde está baseada em evidências e vem ganhando importância nos meios científico, confirmando resultados práticos da atuação deste profissional, principalmente em países desenvolvidos. Gildron (2002) aponta para o desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com o intuito de demonstrar a eficácia das avaliações e, conseqüentemente, das intervenções de psicólogos em ambientes médicos, enfatizando a utilização de ferramentas de avaliação baseadas em estudos de validade e precisão mais elaborados, o que evitaria a avaliação baseada somente na intuição clínica.
O desenvolvimento de protocolos de avaliação de pacientes é fundamental para o desenvolvimento de guias de tratamento mais eficientes. Como bem assinalam Belar e Deardorff (1995), o tipo de serviço prestado, o objetivo do profissional, bem como o setor em que se situa o profissional são algumas das variáveis que influenciarão diretamente a forma como o psicólogo desenvolverá seu protocolo de avaliação psicológica. De maneira geral, as informações necessárias para uma avaliação minimamente adequada estão relacionadas ao estado geral do paciente, as mudanças que ocorreram desde o início da doença e o histórico passado, principalmente aquele relacionado ao enfrentamento de situações de doença anteriores.
A avaliação proposta também deve levar em consideração as peculiaridades do sistema de saúde, bem como os suportes sociais/familiares que o paciente vem recebendo, a fim de contextualizar o tipo de avaliação psicológica e, conseqüentemente o tipo de intervenção mais específica. Apesar das diferentes visões que vários autores possuem sobre os objetivos e passos de uma avaliação psicológica em ambientes de saúde, Belar e Deardorff (1995) relatam um modelo das principais metas de avaliação de um psicólogo da saúde em ambientes hospitalares, divididos em domínios (biológico/físico, afetivo, cognitivo e comportamental) em unidades (paciente, família, sistema de saúde e contexto sociocultural) e relatados de forma simplificada a seguir:
• Metas biológicas - avaliação de aspectos tais como natureza, localização, freqüência dos sintomas, tipos de tratamento recebido e suas características (ex. altamente invasivos), informações de sinais vitais e exames (ex. presença de álcool no sangue), além de informações genéticas e procedimentos médicos anteriores à internação;
• Metas Afetivas - avaliação sobre os sentimentos do paciente sobre a doença, tratamento, futuro, limitações e histórico de variações de humor;
• Metas Cognitivas - conhecimento do paciente sobre o quadro e a situação de saúde, manutenção de funções como percepção, memória, inteligência, tipo de padrões de avaliação da situação (crenças), percepção de controle da situação (lócus de controle), capacidade de avaliação de custo/benefício de opções de tratamentos, expectativas sobre intervenções;
• Metas comportamentais - reações do paciente, tais como expressões faciais, sinais de ansiedade (postura, contato), estilos de comportamento frente à internação (hostil, ansioso) e hábitos de risco ou protetores.
Para o registro das informações citadas anteriormente, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) agrupam as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de estratégias que podem ser utilizadas na obtenção dos dados, por intermédio de questionários, diários, observações, medidas psicofisiológicas, dados de prontuários e instrumentos com qualidades psicométricas. Nesse sentido os questionários podem ser de grande valia na economia de tempo e/ou como direcionadores em entrevistas mais específicas; os diários são importantes na recuperação de informação sobre comportamentos e pensamentos relacionados à saúde e podem ser utilizados com linhas de base, apesar de serem questionados sobre as qualidades psicométricas. As observações podem ser realizadas de forma estruturada durante as visitas ou superestruturada, com situações de role-playing filmadas; já as medidas psicofisiológicas são adequadas quando do uso de técnicas de biofeedback. Os dados de prontuários, apesar de serem muito úteis devem ser vistos com muita cautela, já que dependem da cultura do hospital/país e profissionais em operacionalizarem detalhadamente as informações sobre o paciente. Para Matarazzo (1990), a avaliação psicológica é mais adequada quando envolve não somente o uso de testes psicológicos. Ela deve ser complementada por entrevistas clínicas direcionadas ao problema, observações sistemáticas do comportamento, troca de informações com equipe de saúde (enfermeiras, médicos, terapeutas ocupacionais, etc), dentre outras estratégias.
Por último, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) relatam sobre a importância da utilização de instrumentos com qualidades psicométricas comprovadas. Pode-se ainda dividir alguns instrumentos em amplo e estreito espectro, sempre levando em consideração algumas variáveis tais como o objetivo da avaliação psicológica, contexto em que se insere, tempo disponível do profissional e paciente, treinamento do profissional, características do quadro do paciente, dentre outras.
As medidas de amplo espectro se referem a instrumentos que possuem por objetivo avaliarem características da personalidade do paciente, tais como o Sixteen Personality Factor Inventory (16 PF), Minnesotta Multiphasic Personality Inventory (MMPI), Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI), Symptom Check List-90 Revised (SCL-90-R), sendo que alguns destes possuem qualidades psicométricas adequadas para a população brasileira e outros ainda não possuem ou estão em estudo. Já os instrumentos de estreito espectro seriam aqueles mais específico para uma determinada condição ou situação, tais como o Beck Depression Inventory (BDI), Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD), Mini-Mental-State Exam (MMS), Family Environment Scale (FES), Multidimensional Health Locus of Control (MHLC), Câncer Inventory of Problem Situations (CIPS), dentre outros, sendo que, da mesma forma, alguns já estão adaptados para a cultura brasileira e outros não estão ou estão sendo estudados por pesquisadores/equipes especialistas em avaliação psicológica.
Protocolos de avaliação psicológica em ambientes da saúde podem ser considerados como guias de avaliação específicos para especialidades e serviços com características próprias. Nos casos de atendimentos pré e pós-operatórios de serviços como o gastrologia, mais direcionado à obesidade mórbida ou mesmo acompanhamento de obesos em SPAS, avaliação e acompanhamento de pacientes com transtornos de humor, em nível ambulatorial ou enfermaria, condições psicológicas secundárias à presença de doenças, desordens psicofisiológicas associadas a problemas de saúde, avaliações relacionadas à questão da adesão ao tratamento; doenças consideradas de cunho psicossomático, programas de avaliação para auxiliar pacientes e familiares a desenvolverem estratégias de enfrentamento de doenças crônicas, modificação de comportamentos de risco em detrimento de diagnóstico de doenças específicas, avaliação e acompanhamento de mães com bebês de alto-risco internados em UTI Neonatal, dentre outras possibilidades (Baptista & Dias, 2003; Stout & Cook, 1999).
A avaliação psicológica no contexto da saúde possui alguns objetivos. Entre eles pode-se destacar a sistematização das informações dos vários aspectos do funcionamento do paciente, como dados perceptuais, motores e funcionamento. Formas objetivas de se obter informações sem a necessidade de avaliação essencialmente subjetiva, a fim de elucidar hipóteses que são necessárias para a intervenção. Os testes mais utilizados em ambientes médicos são aqueles que avaliam funções intelectuais, escalas auto-administradas (quando possível), inventários de personalidade, testes projetivos (quando cabível), além dos testes neuropsicológicos que muitas vezes são utilizados para realizar um diagnóstico diferencial. No entanto, a utilização de testes nem sempre é necessária, principalmente em casos em que o diagnóstico se mostra claramente aos profissionais ou casos em que os níveis de funcionamento do paciente estão evidentemente relacionados a estressores específicos do ambiente de saúde ou estado do paciente (Spikoff & Oss 1995).
Os protocolos de avaliação psicológica em ambientes médicos também devem ser pensados não somente em termos de quais medidas serão avaliadas ou testadas em determinadas situações, mas é importante levar em consideração que há uma inter-relação entre condições crônicas de saúde, intervenções farmacológicas, fatores psicológicos, sociais e econômicos associados a uma investigação compreensiva para a identificação das causas do problema do paciente. Sendo assim, a qualidade da avaliação depende, em grande parte, da habilidade do avaliador em recolher e contingenciar as diversas variáveis relativas ao estado de saúde (Schneider & Amerman, 1997). Neste sentido deve-se tomar um cuidado extra para não transformar protocolos de avaliação em formas "enfaixadas" de avaliação, as quais, de forma contrária, ao invés de propiciarem linhas guias para o tratamento, acabam por limitar a compreensão do problema.
Originalmente citado em: CAPITAO, Cláudio Garcia; SCORTEGAGNA, Silvana Alba; BAPTISTA, Makilim Nunes. A importância da avaliação psicológica na saúde. Aval. psicol., Porto Alegre , v. 4, n. 1, p. 75-82, jun. 2005.